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De celebrar um gol como visitante

Hoje nós vamos fazer tudo certo. O goleiro vai pegar até as ideias dos centroavantes adversários. O juiz vai apitar todas as faltas para o nosso lado – inclusive as que nunca foram. O meio vai patear o balão com uma classe desconhecida em todos os dias anteriores. O ataque será imparável e a defesa, invencível. Um gol, dois gols, três gols, talvez mais – para nós. Nenhum – para eles. Hoje sim.
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E na cancha rival.
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O treinador, antes da partida, vai bater na lousa no vestiário, gritar umas palavras de incentivo e dirá que este é o nosso dia. Como seu antecessor dissera noutras jornadas, e como ele próprio repetira nas que vieram a seguir, nem sempre com muito sucesso. Vai pegar um giz, ou uns bonequinhos imantados, e indicar a movimentação de cada atleta, a ordem da marcação, e talvez a infiltração dos pontas – porque pra surpreender pode ser necessário reinventar funções antigas.
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A direção do outro time vai fazer promoções, porque não estão bem, e clamar por um estádio lotado. O estádio não vai lotar, nunca lota nessas situações, mas os que forem vão fazer barulho suficiente. Todos eles vão ficar ao nosso lado, porque hoje, hoje é o nosso dia. E um gol visitante é o grito de “porra” que fertiliza as vaias de um povo aos seus próprios representantes. Hoje eles vão vaiar o time que defende suas cores.
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E vão dizer que os mandantes locais cometem erros catastróficos ao encher um ônibus com jogadores que ninguém conhece e botá-los em campo. Hoje, as entradas, gratuitas para menores e mulheres, quase dadas para estudantes e idosos, e muito baratas para os demais, ainda assim não serão atrativas o bastante. Hoje não se joga por uma  vaga ou pelo enriquecimento do escudo, mas para fugir dos fundilhos da classificação.
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E eles vão perder. Em casa.
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Hoje o sol vai estar infernal, mas o que secará nossas gargantas não vai ser a fornalha, a estridência com que racha o solo seco ou a propagação ondulatória do calor. Serão nossos gritos. Hoje vamos ser apenas três, mas noutro dia poderíamos ser três mil. Cantaremos com ardor tal que compensaremos os dois mil novecentos e noventa e sete ausentes.
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Não vale o pensamento de um empate como algo positivo longe de nosso recanto. Firmaríamos pela igualdade em vários momentos, não hoje. Nosso time pode não ser o melhor – e não é. Mas hoje será. O maior de todos. Teremos uma atuação das memoráveis, que derrotará a equipe deles com glórias – e que superaria qualquer equipe do mundo nesta tarde, fossem os portentos europeus ou os paquidermes sudamericanos. Hoje nós vamos fazer tudo certo.
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Vamos festejar longe de nossa terra. Mesmo que nossos cânticos terminem abafados, serão as nossas vozes, e não as deles, as que se erguerão no ar, jubilosas. Em campo, haverá vinte e dois, repartidos igualmente. Nos degraus da arquibancada, serão mais de mil deles, e menos de meia dezena de nós. Sim, somos três. Mas hoje seremos espartanos nas Termópilas. Resistiremos. E venceremos, pois não vai haver aqui um Efialtes a nos trair.
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Hoje seremos sorrisos clandestinos num oceano de caras fechadas. Odiados e invejados pela realização. Mesquinhos, mas com o espírito sublimado. Festejaremos gols como visitantes em situações adversas, teremos todas as nossas fés no duvidoso valendo a pena. Gastaremos anos de nossas vidas tirando o ar desses pulmões, puxando-o do pâncreas e até dos rins, por uma palavra de apoio a mais, para que os homens ali da relva também deixem parte de seus espíritos pelos pontos necessários. Sairemos triunfantes.
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Mas naquele domingo o Avenida e o Inter de Santa Maria duelavam na Baixada para ver quem não caía. E quando os de Santa Cruz do Sul fizeram o primeiro gol da tarde, enraivecendo as centenas de vozes locais, os três que vibravam na arquibancada visitante não foram sequer lembrados na comemoração dos onze verdes.
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“Hoje nós vamos fazer tudo errado. De novo”. E o Avenida perdeu por 3 a 2.
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Maurício Brum
  1. MAUMAU
    27/03/2010 às 15:20

    eu era um destes guerreiros, sou o que está sem camisa de bermuda azul.

    infelizmente o futebol de hoje em dia que se vale mais a conta bancária no fim do mes do que o amor pelo clube, nos leva a esta cena ali na foto. Mas não deixaremos de apoiar jamais, mesmo tendo cenas deste tipo.

    Parabens pelo texto Maurício

  2. Roger Souza Estanieski
    29/03/2010 às 01:29

    EXCELENTE! adorei o texto!

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